sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Bismarck 1/200 amati

O ícone da batalha do Atlântico em um modelo que desafia até o mais experiente modelista.



            Eu sempre comento nas minhas colunas sobre a experiência que é montar um modelo. Detalhes de encaixe, precisão, exatidão e qualidade de um modelo refletem diretamente a visão da empresa que o fabrica. Hoje vivemos na era do "kit vendido na caixa", onde o que mais atrai novos clientes é a qualidade do produto na caixa, a quantidade de peças e a forma como tudo isso é apresentado. Temos célebres casos de kits muito vendáveis nesses termos mas que apresentam montagem bastante problemática. Mas temos também aquelas empresas que estão sempre tentando surpreender aqueles que acham que não podem ser mais surpreendidos. Os que resistem no modelismo vivem hoje, na minha opinião, uma era de ouro de novos kits e opções.

           
3 das centenas de armamentos do navios,
de diversos calibres e tamanhos diferentes
as gruas em construção
Mas o que dizer de uma marca que não esta nem aí para tendências? O que dizer de uma marca de mais de cem anos no mercado que imprimi seu próprio valor de qualidade, e está muito bem com isso, obrigado?

         


   Estamos falando da Amati. Um empresa que está no ramo desde 1879 oferecendo um modelismo próprio, a moda antiga, clássico, ao mesmo tempo fascinante, surpreendente e lindo. Há espaço para uma empresa dessa? Hoje em dia mais do que nunca! Com a valorização de tudo que é “vintage”, mais uma crescente necessidade do "hand made" do século XXI, uma forma de pensar modelismo meio ao estilo século XIX torna a marca bastante atrativa.

           
Os primeiros passos da montagem do casco
  Para mostrar o que é essa experiência, apresento a vocês um colosso. Simplesmente um Bismack na escala 1/200. O modelo foi comercializado no Brasil em bancas de jornal, em 140 fascículos, aproximadamente 3000 peças entre balsa, mdf cortado a laser, duzias de folhas de photoeched, peças em plástico, resina, fibra de vidro, fios de cobre, tubos de alumínio, peças fundidas, fios de nylon e etc...

            A marca possui um aproach próprio. Diferente de absolutamente tudo que vemos hoje no mercado. Nascida antes mesmo do advento do plástico, fincou suas tradições nos clássicos modelos de veleiros e barcos de madeira em geral, seguindo um esquema de construção que se assemelha demais com a construção de um veleiro verdadeiro. Apesar do Bismarck ser um encouraçado de aço da segunda guerra, a Amati trouxe para o modelo todo esse DNA de construtores de veleiros.

            
Casco começando a tomar forma. Ainda no contra-casco
Todo o casco é construindo em madeira, cava por cava, ripa por ripa, casco e contra casco montado "madeirinha por madeirinha", assim como todo o resto das estruturas superiores da construção. Uma solução século XIX que não é das mais fáceis, nem o ideal para um barco "metálico". A experiência de montar um casco de madeira, para um "plastimodelista" como eu, apesar de não ser a minha primeira vez, foi bastante traumática, pois nunca precisei transformar madeira em metal. A solução não é boa. Apesar de até achar divertido os primeiros passos do casco, fazer a curva na madeira, lixar, vedar, alisar e preencher as frestas para tornar o casco algo liso, se apresenta um tarefa árdua. A maior parte do tempo gasto no projeto foi dedicado a "brochante" tarefa de fazer o casco "funcionar".

          
casco de madeira, feito ripa a ripa. Ripas devidamente
identificadas a lápis. 
  O modelo é todo fabricado com esmero e capricho, peça a peça, o kit amati é uma joia. Joia para poucos. E não estou falando apenas de preço, algo que já se justificaria. Mas não é isso. O modelo é pra poucos pois em nenhum momento a proposta da Amati foi fazer um modelo fácil, indicado a iniciantes. O kit é pensado e projetado para, da forma mais elegante possível , arrancar suor e lagrimas do modelista valente que encarar a brincadeira. O modelo te desafia a todo momento. As soluções encontradas invocam sempre a sensação de construir algo você mesmo, com o modelo apenas orientando e oferecendo o material necessário, mas todo os ajustes, cortes e aferições ficam por conta de quem está montando. A beleza e a riqueza de detalhes é priorizada no projeto, independente se a solução encontrada será viável a todos os modelistas. É preciso muita malícia e experiência para atravessar os infinitos passos do manual.

           
toda a estrutura superior do barco possui um esqueleto
de mdf como essa, a ser revestido com dezenas de
photoeched depois.
  O modelo possui todo um esqueleto central feito em madeira MDF e balsa, tudo cortado a laser de forma precisa e ajustada. Com o chassi das estruturas montados, incia-se a tarefa de revestir com Photoeched as infinitas laterais superiores. São dezenas de folhas de photoeched (dezenas mesmo, mais de 30) que abrangem desde as paredes das estruturas, até os detalhes delicados e miúdos como portas, escotilhas, amuradas, pequenas estruturas e mais uma infinidade de coisas.

os pequenos arados 196, ja ganharam uma publicação
própria aqui no blog.
            As peças em plastico não são dominantes, mas mesmo assim veem em bastante quantidade, e ajudam a completar a coleção de armamentos, telêmetros, antenas e tudo mais. Nada simples, e nada fácil. Cada avanço no manual exige do modelista perícia, paciência e boas ferramentas. Resumindo o modelo, não sei quais desses itens é o mais importante. E aí vai minha primeira grande crítica a esse modelo.

          
detalhes do deck feito a laser. 
Deck começa a tomar forma.
  A dificuldade dele em si não me incomoda. É esse o proposito da Amati, dificultar a sua vida para que o resultado fique mais valorizado. Mas a todo momento, quando passava por dificuldades das mais variadas no modelo, me vinha a mente a forma que esse modelo foi oferecido ao público em geral. Em vinte anos de modelismo, treze anos de modelismo profissional, onze dando aula, passei por apuros bem desafiantes nesse modelo, mesmo pra mim com minha experiência, como dobrar algumas centenas (talvez milhares) de peças de photoeched das muradas, portas, passarelas e estruturas em geral, a fabricação da murada inferior (imagine a aflição de passar uma linha numa agulha 308 vezes, 3 vezes em cada agulha!), a colagem e acerto do casco, a solda nas peças de metal, a lida com as folhas de balsa cortadas a laser dos assoalhos, as intermináveis antenas, as peças minúsculas em profusão...  enfim, vários ápices de dificuldades mesmo para veteranos. Mas pouco disso (ou nada) foi informado para os leigos que viram a coleção na banca e se empolgaram. Deveria haver um aviso bem contundente em relação a isso. E de fato, vários casos chegaram a mim de pessoas que simplesmente não tinha a capacitação suficiente para tocar um projeto dessa magnitude.








Ainda em construção, percebe-se a infinidade de coisas no modelo
Hélices propulsoras feitas em plastico,
pintadas com Pr-colors "Old gold"

          










  Outra critica minha está lincada a essa dificuldade toda: O manual. Se trata de um enorme fichário com 600 paginas de um manual de fotos e texto. Na boa intenção de colaborar com o cliente da coleção, o manual foi feito com fotos “passo a passo” de alguém montando o modelo e o explicando. A intenção foi boa, mas não funcional como deveria. O manual se apresenta confuso muitas vezes. Aparenta também que muitas das passagem foram editadas e diagramadas para “rimar” melhor com o envio das peças. A montagem seguida pelo manual é confusa, sem um raciocínio a seguir, deixando muitas linhas soltas... ou seja, não ajuda a dar aquela “organizada” na vida do modelista. Além de alguns serviços no barco serem absolutamente omitidos.  Ainda tem o fato dele não manter uma constância no ritmo (mais uma vez influenciado com a entrega dos fascículos). O manual começa sereno, explicando passo a passo da interminável colagem das ripas do casco, e termina super afobado, embolando as instruções, omitindo peças e orientando muito mal... Somado a isso, as peças não possuem identificação numérica nas arvores.  Perde-se muito tempo procurando e identificando as peças, num universo de mais de 3 mil itens... Muito difícil mesmo. Num modelo feito para criar dificuldades, uma das maiores delas foi lidar com o manual, algo que cansa qualquer modelista.
Ainda em construção. O detalhamento deste modelo foi algo exaustivo e durou
intermináveis semanas.

            Mais uma vez retomo o questionamento aos modelistas novatos que se aventuraram. Um manual desses pode desestimular alguém a embarcar no nauti ou no plastimodelismo.








detalhe das estruturas superiores feitas em madeira
revestidas de Photoeched.
            Sem falar do ferramental. Os comerciais na TV não mencionavam o fato de que parte de sua casa deve se tornar uma oficina de marcenaria. As ferramentas básicas que eles sugerem dificilmente daria conta de um modelo dessa dimensão.

Impossível de focalizar nos detalhes, são infinitos.
            Algo também chamou minha atenção durante a montagem. Eu já conhecia a fama da Amati pela excelência que possuía em fabricar modelos. Mas nesse modelo de bismarck, encontrei muitas falhas em peças. As peças de plastico apresentam buracos, repuxos, marcas de injeção enormes... Também encontrei falhas em algumas peças de P.E. E ao comparar com o que eu via no manual (a vantagem de um manual por fotos), o modelo do autor do manual parecia muito mais refinado, com folhas de photeched mais delicadas e peças de plástico mais bem acabadas. Não sei exatamente o que aconteceu, mas meu palpite é que, para transformar um kit super exclusivo, de baixa vendagem, em um produto distribuído em massa para o mundo todo, o requinte, a qualidade das peças e dos materiais tiveram que ser deixadas de lado. Ou seja, boa parte do grande diferencial da marca se foi ao transformar o produto em algo massivo.  

Construção se aproximando do fim. Armamentos e muradas todas instaladas
apenas faltando poucos detalhes.
            Além dessas peculiaridades, a montagem do modelo é um pouco problemática. Nada possui encaixe. Tudo que podia ser separado foi separado. As laminas do deck não possuem marcações precisas, e alinhá-las não é algo fácil. Frestas entre as superestruturas ou entre as chapas de metal são constantes. A todo momento é preciso medir, cortar, ajustar, aparar ou tampar algo. Nada é fácil nessa construção. E com um manual te orientando mal, e as peças falhando na identificação, a montagem é quase traumática.

montagem se aproximando do fim. Pintura e efeirtos em andamento. Essa era a camuflagem que ele possuía quando afundado. Havia planos de incrementar ainda mais. 
            Mas ao final, o resultado é acalentador. Meses de trabalho pesado (esse projeto foi iniciado em 2015, mas entre as pausas no serviço, foram 7 meses de montagem, os últimos 3 de forma muito intensa) resultam numa peça única. Um enorme artefato de 1,20m digno para um salão de museu. Uma experiência única, exclusiva e intensa. Um projeto que cobra do modelista total imersão, bastante perícia, e planejamento dos mínimos passos.  O modelo supera todas, ou quase todas as falhas citadas. Na minha opinião, as mais graves são sem duvida o manual ruim e a falta de  um aviso de “Hey, ou você sabe exatamente o que está fazendo, ou caia fora!!!” para um modelo que se vendeu em banca de jornal. Os demais percalços do modelo fazem parte da forma da Amati trabalhar.
Todos os efeitos na pintura aplicados.
           
            A marca quer de você experiencia, dedicação, carinho e capricho naquilo que você está fazendo. É um modelo para ser apreciado com calma, sem pressa, passa a passo do manual, com avanços lentos, saboreando etapa após etapa, sem medo de ficar meses, ou mesmo anos num mesmo modelo. É assim que a marca se torna interessante e única no mercado. Se seu objetivo é apenas um Bismarck 1/200, você pode procurar nas coleções de alguém o antigo modelo da Nishimo, ou então investir no belíssimo e moderno Bismarck 1/200 da trumpeter. Esse modelo da Amati é para apreciadores. Para o modelista a moda antiga, de avental e óculos, trabalhando calmamente em seu bem preparado cantinho ou bancada.
Esse é o tamanho da criança: 1,20m de comprimento.
tripulação somada: Figuras em photoeched da Eduard. 



            Um pouco sobre o Couraçado Bismarck.

tripulação aos seus postos.
            O Bismarck foi o primeiro de sua classe (ele teve um navio irmão, o Tirpitz), e foi o maior e mais moderno navio construído na Europa até então.  Sua construção iniciou-se em Hamburgo 1936 e foi entregue por completo em 1940. Sua tripulação foi comandada por um único capitão, Ernst Lindmann, e apesar de ser o navio mais emblemático da guerra na Europa, teve uma curta vida, apenas 8 meses de operação.
            Além de seu tamanho colossal e uma blindagem fora do comum, ele foi construído com o máximo de tecnologia da época. Era uma maquina de guerra formidável, armado até os dentes e com  fome de destruição. E logo na sua “ofensiva inaugural” ele enfrentou e afundou em combate o HMS Hood, o orgulha da armada Britânica, além de danificar quase mortalmente outro xodó Inglês, o Prince of Wales.  
fotografa-lo na minha casa exigiu uma operação especial.





  Seu sucesso em combate o transformou em alvo número 1 dos ingleses no atlântico, e uma caçada voraz se seguiu, com quase toda a frota inglesa mobilizada para sua caça. Na manhã do dia 25 de maio de 1941, próximo a costa norte da França, a frota Inglesa o achou e iniciou um ataque implacável. Aviões Swordfish decolados do porta-aviões HMS Ark Royal, lançaram seus torpedos contra o navio, e pelo menos um deles acertou a popa da embarcação, destruindo um dos seus lemes e paralisando o outro.  O navio se movimentava em círculos, preso ao mesmo lugar, e mesmo devolvendo fogo cerrado que recebera e afastando algumas embarcações, na manhã do dia 26 ele estava encurralado.  A marinha britânica afirma ter afundado a embarcação, já sobreviventes afirmam ter recebidos ordens de levar a embarcação a pique propositadamente para evitar uma captura.  Fato é que ao entardecer do dia 27 de Maio de 1941, o Couraçado Bismarck, a joia do Reich no atlântico, repousava em sua morada final.